A História revela como as expulsões em massa deram sempre um resultado muito diferente do esperado - senão mesmo o contrário. As Dragonnades de Luís XIV fizeram sair do país cerca de 100 mil protestantes, que recusaram converter-se ao Catolicismo. Estes foram sobretudo para um frio e inóspito país quase recentemente inventado como espaço próprio nos mapas: a Prússia, Berlim. A cidade ainda hoje ostenta as suas marcas, as suas escolas, hospitais, artes e ciências ainda hoje lhes devem muito. Foi o sangue novo que faltava a Berlim para se tornar uma cidade moderna - e daí, a Prússia, que contrariamente ao que se poderia sonhar no final do século XVII, se viria a tornar o pólo aglutinador da Alemanha, em vez da Áustria. Se alguém tivesse contado isto a Carlos V no bom século XVI ou a Maria Teresa no século XVIII, ambos teriam morrido de riso.
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Fonte: https://www.museeprotestant.org/en/notice/the-dragonnades-1681-1685/ |
Outra dragonada avant la lettre é a que D. Manuel fez com os judeus. O meu avô, leitor voraz de História, repetia vezes sem conta: "foi aí que o império português acabou". Sem a rede de contactos, comércio e bancos que acompanhava a comunidade, muito do primeiro império transatlântico perdeu parte da sua pujança e estrutura. Isto tudo para casar com uma princesa espanhola. Foram para a Holanda, e ei-la a surgir no século XVII.
A maior dragonada da História não terá sido motivada por motivos religiosos, mas acabou por sê-lo: a saída do povo hebreu do Egipto, que inventou a sua religião, e ancorou a ela a sua identidade nacional. E, também por isso, a sua sorte errante.
Vem estas reflexões a propósito do que se passa na Europa mas sobretudo em Bruxelas com os refugiados. Aqui, todas as noites, centenas de cidadãos recolhem os refugiados que vivem no Parc Léopold à espera de um visto, de uma autorização, conseguindo evitar que sejam reencaminhados. Recolhem-nos e protegem-nos, defendem-nos das razias que o governo, pela acção do nacionalista flamengo secretário de Estado das Migrações, Theo Francken, organiza.
A União Europeia, depois de um primeiro esforço no acolhimento destes refugiados, passou de salvar os que sangravam pelo Mediterrâneo para banir o novo. Paga à Turquia para evitar que entrem na Europa, trava-os à entrada da Europa. E, nas mãos de Orban ou de outros, persegue os que procuram na Europa um lugar que represente a sua paz. Ouvido de um refugiado: "vimos para a Europa porque sabemos que aqui as pessoas têm direitos".
Mas o que estas novas dragonadas mostram é que estamos a repelir de novo o sangue novo. E que a vitalidade do mundo está nesta integração, nesta transfusão. Merkel percebeu-o.
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